sexta-feira, 20 de abril de 2018

Bom dia, tristeza




Silvio pensava em Márcia e lia os textos de autoras literárias femininas. Lia romances, contos, crônicas e poesias de mulheres escritoras do mundo afora. Descobria um mundo literário diferente. Início de março, bem próximo ao Dia Internacional da Mulher. O verão em seus últimos dias, porém de calor intenso e chuvas fortes em fim de tardes. O rio apresentava-se belo, com seu leito preenchido, admirado do alto das pontes que o cruzavam. Estavam em mãos as Vozes do Deserto, livro da Nélida Piñon, primeira mulher a presidir a Academia Brasileira de Letras (ABL) e Bom dia, tristeza, da escritora francesa Françoise Sagan. Em certa parte do livro, estava escrito sobre o amor: “É outra coisa, é uma saudade.” É bem mais que um beijo, uma carícia... Ele sentia saudades. Algum dia havia sentido saudade de alguém? Da Márcia sentia. Então era amor? Fim de tarde, chovia. A noite se aproximava. Como um Califa, procuraria se assentar em sua sala, na parte mais confortável do seu apartamento, com os livros em mãos, se entreteria com as histórias da Scherezade. Procuraria não se lembrar de suas saudades. Aventurar-se-ia com Aladim, Alibaba e Simbad. Visitaria as areias do deserto de sua infância, o mundo que criou em suas primeiras leituras. Faria viagens imaginárias, visitaria um mundo de fantasias que havia esquecido. Naquela noite, como um Califa, reveria suas primeiras histórias infantis.
Ainda que a leitura o agradasse, ainda assim não conseguia concentrar-se. Naquela noite, os dois livros o incomodavam, não conseguia relaxar o suficiente. Lentamente, as palavras escritas aliviavam sua mente. Silenciosamente ele chorava com as lembranças que as vozes de Scherezade, a princesa que se dispôs ao sacrifício de permanecer aprisionada ao Califa para salvar a vida de outras mulheres, despertava. Encantava a imaginação inocente e suas fantasias. O imaginário de Scherezade, mesmo com toda opressão masculina, afastava a maldade da mente do monarca. Scherezade cumpria uma missão: dominar a mente do homem durante a noite, supostamente de amor, para evitar o extermínio, ao alvorecer, das mulheres do reino. Para isso usava a sedução, a criatividade, as fantasias das palavras. Transformava a vida amarga e vingativa do homem com seus contos das Mil e uma Noites, os mais belos contos árabes. Scherezade aludia à esperança.
De Sagan, Silvio estranhava a tristeza. Assim como estranharam os franceses de sessenta anos atrás. Uma desconhecida, Françoise, descrevia a alma de uma adolescente. Na voz de uma narradora na primeira pessoa, descrevia conflitos familiares. Desde a relação insegura com um pai imaturo, de amores alternantes e descompromissados, até seus desejos ocultos. Descreveu a banalidade das relações humanas nos nuances de uma personalidade feminina em formação. Ele se entristecia. Pensava no querer e não querer da Márcia, via nos relatos das personagens femininas de Nélida e Françoise, nas entrelinhas das suas histórias, a razão oscilante do comportamento amoroso da sua amada. Assim como o Califa, no deserto árabe, adormeceu com a voz de Scherezade. Adormeceu após horas de leitura. Acordou com uma lágrima em face. Página aberta, descrição da morte de Anne. Com o livro aberto, o título assustava: Bom dia, tristeza.



                                                      Sergio Damião Santana Moraes

Saúde Renal e as Mulheres



“Previna-se”: é o nome da Campanha Nacional da Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN) para prevenção da doença renal crônica. A insuficiência renal crônica, deficiência completa na função dos rins, leva a necessidade da terapia renal substitutiva - hemodiálise, e posterior transplante, tornou-se uma epidemia mundial em consequência do envelhecimento da população, da sobrevida maior do diabético, obesidade e aumento das pessoas adultas com hipertensão arterial sistêmica. No passado, a doença renal crônica era causada, principalmente, pelas nefrites e cálculos (pedras). Na atualidade, o diabetes mellitus e hipertensão são as mais frequentes. Nestes dois casos elas são silenciosas. Normalmente nascemos com dois rins e localizam-se na região lombar, nas costas, um de cada lado, cada rim pesa em torno de 150 gr e mede 12 cm. Podemos nascer e viver com um rim só, tanto que em vida podemos doar um rim para um parente que venha a precisar. Os rins filtram 25% de todo o nosso sangue a cada minuto; mantém o equilíbrio de água e sal dentro do corpo humano; produzem hormônios para evitar a anemia e fortalecer nossos ossos e controle da pressão sanguínea. Os rins possuem uma boa reserva funcional, e com isso, mesmo com lesão em suas células, podem por vários anos compensar essa perda. Por isso o alerta de “doença silenciosa”. Existe dor, muitas vezes insuportável, em caso de cólica renal, infecções urinárias e renais, nesses casos a disfunção, quando aparece, é reversível, dita insuficiência renal aguda. O exame de urina simples (EAS) e a dosagem da uréia e creatinina no sangue, exames baratos e de fácil realização, são recomendados principalmente para hipertensos, obesos, diabéticos e os com história na família de doença renal. A perda de proteína na urina é um bom marcador de lesão vascular renal e sistêmica. Diminuindo sua perda, controlando a hipertensão e mudanças de hábitos alimentares, diminuindo o sal na alimentação, podemos prevenir ou atenuar as doenças cardiovasculares - infarto do coração, derrame cerebral e insuficiência renal. Os sinais da doença renal: pressão alta, inchação nas pálpebras no período da manhã, sangue na urina, palidez cutânea e fraqueza. As pessoas com sinais de doença ou que já apresentam a doença renal devem evitar anti-inflamatórios. A insuficiência renal crônica pode se manifestar em qualquer idade. Por isso, o alerta para a prevenção iniciar-se na infância – devemos ficar atentos às crianças com infecção urinária de repetição.
Março é o mês do Rim. Este ano a Sociedade Brasileira de Nefrologia escolheu o dia 08 de Março – Dia Internacional da Mulher, para chamar a atenção para a Saúde dos rins das mulheres. A doença renal acomete igualmente homens e mulheres. Porém, existem particularidades nas mulheres: doença inflamatória como lúpus eritematoso sistêmico; quadros obstrutivos renais por tumor de colo de útero; comprometimento renal durante a gravidez... Convido as mulheres cachoeirenses que se destacam em suas várias atividades como as jornalistas Regina Monteiro e Celia Ferreira, Contadora de Histórias Maria Elvira, Acadêmica Marilene Depes, Secretária de Cultura Fernanda Martins, Irmã Otilia, Dona Jandira do Hifa e a médica pediatra Fabíola Moraes - Coordenadora do Programa Social e Auditoria da Unimed Sul Capixaba, para se juntarem à Sociedade de Nefrologia.



Sergio Damião Santana Moraes

Crônicas de uma viagem



            Viajar é uma das boas coisas da vida. Sempre guardamos boas lembranças. Em uma viagem encontramos lugares bonitos. Modificamos pensamentos e idéias. Renovamos conhecimentos. Evoluímos culturalmente. As “bobagens” ditas e feitas ficam por conta do idioma. Tudo se resolve. Algumas vezes nos decepcionamos, em outras, pagamos “micos”. Coisas de turistas. Outro momento acontece o inusitado. No final acabamos rindo das situações criadas e vividas.
            Em uma das primeiras viagens ao exterior, sul da Itália, próximo à Sorrento, Costa malfitana, com um grupo de brasileiros sentados à mesa, aguardava o jantar, era uma excursão da América Latina. Um casal e o filho foram incluídos à mesa, tratava-se de um casal e filho cubanos, o rapaz era um verdadeiro “brutamontes”. Falavam rápido, um espanhol de difícil entendimento. Encontrava-me próximo aos cubanos, para agradar, elevei minha “taça com vinho” e disse: Viva Fidel! Nos dias atuais não faria isso, a ilha do Caribe que Fidel Castro e um grupo de jovens sonhadores libertaram da ditadura de Fulgêncio Batista transformou-se em um país com alguns avanços sociais, mas sem o principal, a democracia e liberdade política. Porém, naquela ocasião, saudei Fidel. Um duplo erro. Errei por saudar o ditador de Cuba e errei por não perceber que os cubanos que ali estavam residiam em Miami. Eram exilados de Cuba e com ódio mortal do Fidel. A reação foi imediata e intensa. Falavam mais rápido ainda e ao mesmo tempo. Uma língua incompreensível. Eu só conseguia entender os gestos. Algo como nadar. Entendi que escaparam de Cuba por barco ou nadando. As várias intervenções acalmaram os nossos “hermanos”, passei o restante da viagem e da excursão com o “pé atrás” com os caribenhos. Por pouco não aconteceu um conflito internacional protagonizado por uma “saudação” desproposital. No final, ficou como coisa de turista brasileiro e inadvertido. Uma brincadeira de brasileiro.
            Aprendi a ser comedido desde então. Mas, muitas vezes, os constrangimentos são inevitáveis, mesmo com um mínimo de palavra. Desde a quase tragédia italiana, procuro ter cuidado com os outros turistas, mais ainda com o povo local. Evito conversar. Uma maneira de me proteger. Mas... Estava em Nova York. As avenidas e ruas são ótimas para se caminhar e conhecer a cidade. Seus luminosos não parecem poluição visual e sim, uma marca de Manhatan. Caminha-se e se descansa em suas ruas e avenidas. Em um desses locais públicos para se relaxar, em frente a Macy’s, uma grande loja de departamento americana, sentei-me em uma mesa, ocupei as duas cadeiras em volta com os pacotes e, observava os prédios, movimentos dos carros e das pessoas. Era o horário do lanche matinal, o almoço americano (hot dog). Aproximou-se uma americana, falava rápido, com um hot dog em mãos, acho que desejava sentar-se em uma das minhas cadeiras. Eu disse: No! Ela: No? Eu: No! Insistiu: No? Eu: No! Ela desistiu, para o meu alivio. Evitei um conflito diplomático com uma simples palavra em inglês.




Sergio Damião Santana Moraes

NOLENS VOLENS



“Não querendo, querendo.” A citação latina se apresenta na leitura diária. Definia com clareza o estado de espírito em que se encontrava. Silvio, após meses de ausência de contato físico e visual com Márcia, sentia-se perdido. Uma nova citação: Mea Culpa. Uma dúvida em seu íntimo. Culpa dele? Não. No amor, menos ainda na paixão, não existe culpados. Quem sabe? O destino, fortuna, coisas da emoção ou dos sentidos. A decisão foi racional. Viviam em tempos discordantes. Como se vivessem em épocas distantes em galáxias. Diferentes não só na idade, quase vinte anos, mas no tempo social. Separados por gerações. Por conta de suas diferenças a sociedade exigia o afastamento. Apesar de toda modernidade. Era mais fácil assim. O tempo que viveram a paixão foi uma fantasia. Viveram em um mundo próprio, mundo de emoções e sentimentos fortes, a civilização exigia um comportamento racional – exigia protocolo de convivência. Deviam sacrificar o amor e a paixão para se evitar sofrimentos. Mais ainda: evitar constrangimentos. Viveriam um mundo de aparências. O tempo se encarregaria de apagar o fogo da paixão. Os desejos desapareceriam nas suas cinzas. Foi assim na adolescência; seria assim na vida adulta. Nos livros, romances, poesias e relatos de amigos, Silvio constatava que os que fugiram ao comportamento exigido pela sociedade feriram-se até a morte. Ele tinha medo.
 Difficile Est Longum Subito Deponere Amorem: “Como é difícil esquecer de repente um longo amor.” Em suas citações, a cada frase uma lembrança. Lembrava-se do seu último encontro. Pediu uma nova chance, um último beijo, quem sabe um abraço, ou o que mais desejava: uma longa tarde de amor. Não. Márcia estava decidida. Disse: acabou. Não voltaria a sofrer. Não se encontrariam mais. Cabia a ele curar-se da doença, curar-se da dependência. Uma forma de dependência química, a atividade era cerebral, apesar de nascer em suas emoções, em seus sentimentos, em seus desejos. Uma intensa ação cerebral, como ondas, encharcando sua mente com imagens da Márcia. Precisava curar-se. Uma decisão, renovada é verdade. Esquecer era uma necessidade. O tempo cicatrizaria o restante.
Retornava à vida. Alguns momentos difíceis: fim de tarde, fim de semana, domingo à tarde... Nos meses seguintes, lentamente, as lembranças iam se apagando, começava a não lembrar. Sentia-se aliviado, diminuía o desejo e a necessidade de procurá-la. Estava leve e feliz. Diminuía a dependência daquela paixão. Uma saudade leve, um quase amor. Lembrava-se, raramente, das tardes em que se encontravam. Da intensidade e paixão que demonstravam quando juntos. Dos beijos e abraços, dos corpos suados se apertando. Algo distante. Uma recordação, uma lembrança sem sofrimento. Começava a curar-se. Era um domingo. Na terça, Márcia apareceu. Nada falou. Encontrava-se à sua frente. Em local que não deveria estar. Uma provocação. Fingiu não ver. Nada falou. Nem mesmo uma saudação. Evitou o bom dia. Ignorou. Fez o que tinha que fazer: ignorar. Na saída, olhou. Encontrava-se como no primeiro dia em que a conhecera. Lembrou o local do encontro: farmácia. Aproximou-se. Nada disseram. Olharam-se. No olhar estava escrito: meu amor. O beijo no rosto, uma lágrima nas pálpebras. Ela disse: meu amor...



Sergio Damião Sant´Anna Moraes